Pesquisas de campo realizadas em várias universidades, considerando profissionais de diversas áreas do conhecimento, mostram que uma porcentagem significativa dos doutores não sabe operar um controle remoto (do ar-condicionado, por exemplo). O resultado desse anedótico levantamento pode até não ser a melhor razão do mundo para automatizar os prédios dos campi (e de outros lugares), mas o gasto de energia com sistemas de ar condicionado ligados, refrigerando prédios dentro dos quais não há ninguém, tem de ser considerado urgentemente.
O aquecimento global é uma das razões. E o gasto, puro e simples, com energia, também. No caso do Brasil, diminuir o consumo de energia agora pode ser vital para a continuidade do crescimento, pois há risco de não haver energia suficiente em futuro próximo. Economizar é mais fácil do que construir novas centrais hidrelétricas ou nucleares. Será que é mesmo? Gastar energia como gastamos é parte da cultura, principalmente de quem tem como pagar. Parar de gastar exige mudanças comportamentais que podem ser mais complexas de implantar do que construir novas usinas.

Aí é que a informática entra. Ou poderia entrar. Informática é o produto das tecnologias de computação, comunicação e controle. Imagine se seu crachá - quase todo mundo tem um - fosse parte de um sistema de informação (e automação predial, inclusive) dotado de um pouco de inteligência. Imagine que o crachá é a parte do sistema que anda com você. Para todos os efeitos (do ponto de vista do sistema) você é seu crachá; na verdade, o crachá é uma abstração que representa você e vai ajudar o “sistema” a tomar decisões pensando em seus hábitos, gostos e jeitos.
Você e seu crachá entram no prédio. O sistema sabe. Computação e comunicação em ação. Ele se lembra de que, em quase todos os casos, você vai para sua sala. O ar condicionado de lá é ligado, sem sua intervenção (e graças ao controle... automático), para chegar aos poucos à temperatura de sua escolha (entre as temperaturas-limite definidas pelo sistema). Isso gasta muito menos energia do que você ajustar o ar-condicionado em 17° C, com ventilador em alta, para chegar rápido aos 25° C que você queria. Você chega na sala, que já está com 25° C, ou perto. Cortesia da automação inteligente, que lhe conhece - ou ao seu crachá- de perto.
Você sai da sala, para uma reunião, às 11h. O sistema lembra que, em oito das últimas 10 vezes em que isso ocorreu, você só apareceu de volta às 15h. As luzes são desligadas e o ar vai tentar manter uma temperatura a partir da qual se gaste o mínimo de energia para voltar aos 25, quando você voltar. E se você não voltar? Aumente a informatização para o campus... e o sistema sabe se você está lá ou não. E ele saberia que, se você não saiu do campus, voltará para sua sala. Quase sempre. Se saiu, não volta. Quase nunca. As providências devidas são tomadas em função da presença ou não de seu crachá nas proximidades...
E não é só. Se há aula, e você é o professor, na sala D004, às 14h, o sistema bota tudo no lugar pra evitar que você chegue lá na hora e a temperatura da sala esteja perto dos 35° C (o que é verdade, por exemplo, na sala onde dou aula). Há mais: os alunos também têm um crachá como o seu… e a presença deles é notada pela detecção de seus crachás. O que serve pra regular (olha o controle aí...) o ar-condicionado e muito mais.
Mas tudo poderia estar no lugar e, por alguma razão, o professor não foi dar aula. Beleza: leva falta na lata, com tolerância de alguns minutos... e não vai poder dizer nem que deu aula ou que tentou dar mas a porta não abriu e coisa e tal. Se fosse verdade, o sistema teria dado um alarme lá na sala do controle e algum agente (humano, por enquanto) teria ido abrir a sala usando uma daquelas ferramentas medievais que hoje chamamos de chave.Alguma hora, pouco a pouco, a realidade vai ser muito parecida com esta pequena ficção.
Muitas coisas serão muito melhores do que hoje. Quem já nascer dentro do sistema vai achar tudo muito prático, objetivo e “limpo”. Os que presenciarem, como nós iremos, o “sistema” sendo construído ao nosso redor, de forma inescapável, sentirão muita falta das priscas eras em que podiam, sem saber usar o controle ou depender de um “sistema”, sair de casa e deixar a luz acesa e o ar ligado.
Silvio Meira - Professor Titular de Engenharia de Software do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco em Recife, cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (C.E.S.A.R) e engenheiro formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
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