sábado, 20 de outubro de 2007

Ok, eu pago a música!

Banda lança disco que vale quanto o fã quer pagar. Grande jogada ou divisor de águas?

Por Cláudio Ferreira

Até os ornitorrincos sabem que a indústria fonográfica está em uma encruzilhada com um grande outdoor escrito "crise" em néon vermelho. Desde que o download de músicas pela web virou uma instituição planetária, os executivos das gravadoras se perguntam: faz sentido comprar CDs? Até mesmo quem parte para esquemas que não são totalmente dependentes da venda dos disquinhos, vide a brasileira Trama, patinam e não sabem exatamente o que fazer ou como sobreviver. E o que dizer agora da experiência do Radiohead, de disponibilizar seu mais recente CD na Internet e deixar a cargo do fã decidir o quanto quer pagar?

Primeiro, para quem ainda não sabe ou não tem idéia sobre a crise da indústria da música, o número de CDs comercializados diminuiu continuamente nos últimos três anos em qualquer parte do mundo. No Brasil, estamos no patamar dos 40 milhões de unidades... e caindo, bem distante dos 100 milhões registrados em 1998. É claro que os valores de venda das músicas pela Internet também cresceram, entretanto não na mesma proporção que a "sangria" do compartilhamento, da pirataria e que tais.

Pesquisas e números de lado, estamos aqui para discutir a experiência do grupo inglês Radiohead. Afinal, desde o dia 10 de outubro, quem quiser fazer o download do álbum "In Rainbows", no site www.radiohead.com , só precisa acessar e baixar. O preço é definido pelo internauta: se quiser pagar 1 centavo de libra ou 100 libras, o problema é dele, desde que acrescidos dos 45 centavos de libra pela taxa de operação do cartão de crédito.

Mas o que isto quer dizer? À primeira vista é uma grande jogada de marketing de uma banda conhecida e reconhecida como uma das mais criativas no meio roqueiro, o que cerca o lançamento de uma expectativa ainda maior. Depois, coloca mais lenha na fogueira – ou na encruzilhada – na qual se encontram as gravadoras. O impacto que o lançamento terá é algo para se entender depois que alguns números forem divulgados, como os de venda dos CDs nesse modelo e o preço médio pago, mas algumas idéias podem ser discutidas.

O mastodonte atolado

Alguns analistas de mercado e mesmo críticos musicais apontam "In Rainbows" como um álbum divisor de águas, não tanto musicalmente falando, mas sim como algo que pode mudar a estrutura de indústria. Estrutura esta que, na minha humilde opinião, estava carcomida e podre a partir da lenta e mastodôntica reação da indústria ao que a Internet propõe em termos de compartilhamento, veículo de massa e de mídia ou mesmo canal de vendas.

É interessante saber que um CD colocado gratuitamente na web não é algo inédito. Pelo menos duas bandas fizeram algo nessa direção, o Wilco e o Charlatans. O primeiro grupo lançou em 2001, sem um décimo do alarde do Radiohead, o álbum Yankee Hotel Foxtrot, como uma forma de protestar contra o tratamento de sua gravadora, enquanto o último colocou sua obra em site de uma rádio este ano. Guardadas as comparações óbvias entre os anos e as bandas, agora se tem um componente a mais: a música "de graça" pode ser valorizada pelo consumidor. Paradoxos na estante, é preciso contar que os fãs da música cerebral do Radiohead, na teoria, têm um maior esclarecimento para reconhecer o esforço da banda com essa iniciativa.

No entanto, entender que o preço médio pago pelos fãs do Radiohead pelo álbum vai apontar o quanto vale a música hoje pode ser enganoso. Será um primeiro passo, importante é verdade, nessa direção, porém não pode ser encarado como "a verdade". Quem se acostumou a fazer download de dez discos por mês de graça vai querer pagar algo?

Eu compartilho, tu...

Na Internet a palavra mais utilizada é compartilhamento, algo que existe desde os tempos do Kazaa. Ou, como diz o mantra de um amigo meu: "eu não faço pirataria, eu compartilho". Armadilhas de significados e significantes de lado, o compartilhar aqui implica em dizer que: mais gente conhece o produto cultural, que o artista e a gravadora não ganham nada, que o ato de trocar músicas não representa um lucro para aqueles que o praticam (como acontece com a pirataria), e que a Internet se tornou protagonista. No entanto, se ninguém paga a conta, quem vai investir em novos álbuns? O próprio artista?

O certo é que a experiência do Radiohead serve como mais um elemento para todos os lados dessa complicada e estranha equação que é a venda de músicas e CDs. De um lado estão as gravadoras, outrora poderosas, que vêem seus lucros minguarem e tentam se adaptar à Internet; de outro, os artistas, que ficam no meio do "libera-não-libera" de suas músicas – não é verdade, Metallica?; e do outro lado está o consumidor, que quer ter acesso aos discos e às canções por um preço acessível ou mesmo de graça.

Dois detalhes e uma provocação para terminar a nossa conversa. Primeiro: quem quiser comprar o CD físico do Radiohead também pode, e ainda tem a opção de comprar a caixa especial que traz um segundo CD multimídia, mais um disco de vinil e um livreto pela bagatela de 40 libras. Segundo: a mídia CD fez 25 anos no dia 17 de agosto último, data do lançamento do álbum Visitors, do grupo sueco Abba, comercializado em 1982. E por esse disquinho, você pagaria quanto?!

Claudio Ferreira é jornalista e escreve sobre tecnologia há 10 anos e sobre cultura desde sempre. E-mail: cferreira2006@gmail.com

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