sábado, 25 de agosto de 2007

DRM pode complicar a TV Digital no Brasil

O governo brasileiro adota padrões que sequer foram licenciados para uso no país, além de escolher formatos de áudio de pouca compatibilidade. E ainda falam em inclusão digital, deixando de fora melhorias básicas.

Por Paulo Roberto Elias

A poucos passos de ser testada oficialmente, a TV Digital Brasileira, chamada agora de ISDTV, deixou no ar, literalmente e sem trocadilho, modificações de padrões sem um futuro definido.

Anos atrás, conversando com pessoas ligadas a grupos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico, que estavam envolvidas com a implantação da televisão digital brasileira, soube que o Brasil havia decidido adotar o sistema japonês de DTV e HDTV, chamado de ISDB-T, com pequenas modificações. Note-se que, até aquela data, nada havia de concreto para que as transmissões oficiais começassem de imediato.

Mas o tempo passou, e o sistema, depois chamado de SBDTV (Sistema Brasileiro de Televisão Digital), sofreria ainda mais modificações, recebendo então o nome de batismo de ISDTV (International System for Digital Television), que é como vai ficar. O problema é que, com as novas proposições de padrões adotadas, nada mais foi feito, para se assegurar que o ISDTV vá funcionar sem nenhum percalço operacional.

A modificação de padrões em relação ao modelo original japonês é compreensível, por causa da evolução da tecnologia de vídeo e áudio digitais. Até recentemente, o MPEG-2 era o padrão oficial de codec de vídeo para HDTV, sendo inclusive usado para masters que estão hoje presentes em discos Blu-ray, por exemplo.

Mas o MPEG-2 sofre de excesso de ineficiência de compressão e de artefatos na imagem, tendo sido eventualmente substituído por novos codecs, bem mais eficientes e mais livres de artefatos, como o VC-1 e o H-264 (MPEG-4).

O Brasil resolveu adotar o H-264 como parte do padrão do ISDTV, mas não há confirmação que o codec tenha sido devidamente licenciado. Comentários de bastidores falam, com razão, que a implementação do codec sem este licenciamento é uma manobra arriscada e desnecessariamente precipitada, com o quê sinceramente eu concordo, porque não há indícios de que esta negociação possa ser feita depois de implementado o sistema.

Da mesma forma, houve um erro de escolha, a meu ver, no sistema de áudio adotado. Já faz algum tempo que a maioria das transmissões por satélite e por cabo vem adotando o AC-3, conhecido como Dolby Digital, por causa da sua alta taxa de compressão e da sua qualidade.

Além disso, o Dolby Digital tem o seu decoder implementado em grande número de A/V receivers e TVs no mundo todo. O Dolby Digital tem a enorme vantagem de ser projetado com total retrocompatibilidade com qualquer formato anterior, como por exemplo, o estéreo convencional ou o estéreo surround. Por causa disso, programas podem ser gerados nas emissoras e estúdios e recebidos na maioria das instalações domésticas sem problemas.

Mas no sistema brasileiro, o padrão de áudio proposto é o AAC (Advanced Áudio Coding), que é aquele formato popularizado pelo iPod da Apple. E aí a gente se pergunta como é que isto fica implementado, já que a maioria dos decoders não é prevista para o AAC, ou seja, se você tem um home theater completo, e quiser ver HDTV com a sua instalação atual, o som multicanal não vai ser aproveitado totalmente.

DRM na televisão digital

Se isso não bastasse, resta a questão do DRM (Digital Rights Management). O DRM é uma estratégia de proteção do conteúdo digital, com implicações e conseqüências que penalizam o consumidor. Por causa do DRM, a Apple recentemente se queixou de algumas gravadoras que as vendas de fonogramas tem caído em função do obstáculo de cópia imposto pela DRM das mesmas.

O DRM está presente na vida do usuário, muitas vezes sem que ele perceba. O anúncio, via logotipo, de proteção contra cópia, é impresso num cantinho da embalagem do disco que é comprado nas lojas, como mostra esta ilustração de um DVD na figura.

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O DRM é mandatório pelos estúdios, na distribuição de conteúdo digital, por causa das alterações paranóides de legislação, em função dos lobbies poderosos dos provedores norte-americanos.

O sistema é imposto em países alheios, sem que se respeite o direito do consumidor de copiar conteúdo para uso próprio. E se alguém pensa que o problema não é grave, basta lembrar a quantidade enorme de dispositivos de gravação que podem, perante o DRM, se tornarem inúteis da noite para o dia.

É como se o consumidor deixasse o seu gravador de vídeo programado para registrar um programa, porque ele não tempo para vê-lo naquele momento, e que depois descobre que a proteção contra cópia o impediu de assisti-lo.

A televisão digital (DTV) representa um avanço considerável nos padrões de transmissão (broadcasting) e é a única maneira de se conseguir passar pelo ar o sinal de imagens de alta definição (HDTV). Sem esses pontos devidamente amarrados, e sem ter notícias recentes sobre isso, pelo menos que eu tenha visto, presume-se que o ISDTV vá bater com os burros n’água, depois de inaugurado.

A gente fica também sem entender como e por quê o sistema digital de televisão no Brasil sofreu tantos atrasos, ao longo desses anos, e se, por outro lado, em algum momento, este avanço vai de fato trazer benefícios concretos para as camadas da população que são economicamente desprivilegiadas.

Isto porque o grande apelo da televisão digital a alta definição (HDTV), impossível de ser percebida sem que uma soma substancial possa ser gasta para adquirir o necessário equipamento.

Fala-se muito na tal “inclusão digital”, mas como tudo que é político neste país, se deixa de fora a educação de base e a melhoria financeira das pessoas que poderiam ser afetadas por ela. Sem educação e sem dinheiro, “inclusão digital” é, salvo melhor juízo, pura demagogia. [Webinsider]

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