quarta-feira, 28 de novembro de 2007

"O software livre é resultado de um sistema social ético"


Personalidade Responsável pelo movimento a favor do software livre e desenvolvimento do sistema operacional GNU/Linux, Richard Stallman esteve em Salvador semana passada para pregar que seu trabalho está no centro da luta pela liberdade de informação. Foto: J.T.S. Moore.

Não é fácil entrevistar Richard Stallman, um dos principais responsáveis pelos softwares livres e pelo GNU/Linux. Ele esteve em Salvador nessas últimas semanas para duas palestras, no Goethe Institut e no Hotel Fiesta. E, nas duas oportunidades, vai tratar de como a idéia software livre está no centro da luta pela liberdade de informação. "O continente que estamos construindo no mundo cibernético é o lugar da liberdade", diz. A dificuldade de entrevistá-lo não vem (apenas) do nervosismo de falar com alguém tão importante, mas do fato de ele interromper quase todas as perguntas para discordar do uso dessa ou daquela palavra, desse ou daquele conceito. Richard Stallman não é um programador comum ou um homem de negócios, como estamos acostumados a ver no mundo da informática, ele é antes de tudo um ativista político. E, como bom ativista, ele está diretamente interessado em qualquer interpretação que se possa fazer de seu trabalho. O lado bom do lado político de Stallman é a firmeza (talvez até demais) com a qual ele defende as suas posições. São argumentos que, ao menos, nos fazem refletir sobre questões do dia-a-dia.

A Tarde - Porque alguém deveria tirar o Windows do seu computador e instalar o GNU/Linux?
Richard Stallman - Existem razões secundárias, como o fato de o GNU/Linux ser muito mais confiável e eficiente, além de ser muito mais barato. Mas essa não é apenas uma questão técnica, é uma questão de liberdade. Ao usar o GNU/Linux ou qualquer outro software livre, você tem a liberdade de fazer com que o sistema faça aquilo que você precisa. Os softwares proprietários restringem e controlam o que se pode fazer em um computador, criando restrições de uso, de troca e negando o acesso ao código fonte. O que existe é a escolha entre dois sistemas sociais, um ético e outro maléfico.

AT - Gnu/Linux e Linux são a mesma coisa?
RS- Em 1985 eu tive a idéia de criar um sistema operacional livre, chamado GNU. Em 1991, nós havíamos desenvolvido quase todas as partes do sistema, mas faltava o kernel (um progra ma que opera o desempenho do hardware). Na mesma época, o kernel Linux tornou-se software livre. Então integramos o GNU ao Linux para conseguir um sistema operacional completo. Mas, injustamente, deram a essa combinação o nome de Linux, ainda que ela fosse muito mais GNU do que Linux. Então, por favor chame o sistema de Gnu/Linux e nos dê o crédito.

AT - Em sua visita a cuba você disse que o país é um lugar propício para o fomento do software livre. Mas o país é o único latino-americano presente na lista dos 13 "inimigos da internet", divulgada pela ONG Repórteres sem Fronteiras; O que você acha das restrinções à liberdade de informação em países como Cuba, China e Egito?
RS - Eu não disse isso, queria que você me desse o endereço do lugar que você viu isso para eu mandar uma carta reclamando. Eu disse que, em Cuba, não passa nem pela cabeça das pessoas pagarem por um software, porque não há venda de softwares por lá. Eles têm algumas liberdades, a de trocar com seus amigos, por exemplo, mas não têm outras, a de estudar o código. Cuba não respeita a liberdade e eu sou contra isso. Mas continuo trabalhando pelos software livres com países que não respeitam a liberdade, seja ele Cuba ou EUA.

AT - No Brasil é muito comum o uso de softwares piratas...
RS- Não acho que exista pirataria no Brasil nos dias de hoje, a pirataria era encontrada no Caribe, mais perto da América. E os piratas não usavam computadores, eles usavam metralhadoras. O ponto é que usar a palavra "pirataria" para falar de "troca de arquivos entre as pessoas" é fruto de um tipo de propaganda ideológica. Piratear é muito ruim e compartilhar com outras pessoas é algo bom, então não devíamos usar a palavra pirataria para falar disso.

AT - Certo, eu ia perguntar quais as vantagens entre usar um software pirata, que é de graça, e um software livre?
RS - Não gosto da palavra vantagem, porque ela parece dizer que as duas coisas são boas e uma é um pouco melhor. Troca ilegal não é ruim, mas é perigosa. Uma vantagem do software livre é que você pode compartilhar sem o perigo de ser preso. Quando um amigo seu pede uma cópia de um software proprietário, você tem duas escolhas: ou magoa seu amigo e não o dá a cópia ou fere a licença do software. O mal menor é desagradar a empresa, que não é sua amiga. Mas o único bem é ter apenas softwares livres, que além da liberdade de troca outras liberdades importantes.

AT - Qual o sistema operacional que e softwares você usa em seu computador?
RS - É contra os nossos princípios éticos usar aplicativos proprietários em nossos computadores. Por isso, não tenho sequer uma cópia do Windows. E, mesmo entre os softwares livre, muitos usam um ou outro software proprietário em seu pacote. Então, entre as muitas distribuições do Gnu/Linux, eu sá posso recomendar a Ututu e a gNewSense, 100% livres.

AT - Os laptops do programa Um Computador por Criança, adotado pelo governo federal, utilizam Gnu/Linux. O que você acha da utilização de softwares livres na escola?
RS - Eu diria que é uma ótima iniciativa se não fosse por um ou dois softwares proprietários instalados nesses computadores. As escolas, e, principalmente, as públicas, têm a responsabilidade de só ensinar software livre para os alunos, por vários motivos. Em nenhum lugar do mundo as escolas têm muito dinheiro e usar software livre é uma forma de economizar, mas não é só isso. As crianças têm uma curiosidade de saber como as coisas funcionam e só com os softwares livres os professores podem ajuda-los a ler o código e a programar. E também tem a questão moral: a escola não ensina só técnica, ensina ética e só o software livre é resultado de um sistema social ético.

AT - A luta pela liberdade já aconteceu em vários campos, religioso, econômico, etc. Você diria que a internet é a nova arena para essa luta e o software livre uma importante arma?
RS - Luta religiosa!?
AT - Não estou dizendo que sua luta é uma luta religiosa, quero saber se é o mesma luta
RS - Sim, sim. É o mesmo tipo de luta.

AT - Mas em nenhum desses campos a "liberdade" venceu completamente, os softwares livres vão ganhar a guerra contra a Microsoft e os softwares proprietários?
RS - O futuro do software livre depende de você. Todos contribuem para o futuro. A pergunta correta é "o que aconteceria no futuro se fizermos isso ou aquilo".

Naquela noite, Stallman falou no Goethe Institut para uma legião de fãs, estudantes de informática e curiosos, uma manada de GNUs. Para quem esperava ouvi-lo falar sobre aspectos técnicos do Gnu/Linux, só decepção. Stallman é, antes de tudo, um ativista da liberdade de informação. Software livre não é uma questão técnica, de ser melhor que o software proprietário. É uma questão de liberdade. O público ia ao delírio. Em mais ou menos uma hora e meia de fala, Stallman expôs suas idéias sobre o software livre, deu conselhos e denunciou a conduta "maligna" das grandes empresas. Ele tratou de assuntos pouco tecnológicos, como escolha ética e tentação de usar softwares não-livres. Não falou nada que quem estava lá não soubesse, mas o que importava era ver um ídolo em pessoa, como numa igreja. No final, ele vestiu capa preta e aréola feitas com um disco de CPU e virou Santo IGNUcius. O público, claro, foi ao delírio outra vez. Depois da palestra, perguntei para ele:

Quando o Santo IGNUcius se manifestou pela primeira vez?
RS - Eu inventei o Santo IGNUcius numa festa de dia das bruxas. Aí um dia eu ia falar num colégio católico e tive a idéia de usar a fantasia. Ia entrar fantasiado, mas tive medo da reação. Então coloquei a fantasia no final e o pessoal adorou. O Santo IGNUcius faz mais sucesso em países católicos, como o Brasil. Mas não é muito bom que saia a foto do Santo IGNUcius no jornal, quem estava na palestra sabe que é só uma brincadeira, depois de 1h30 de fala. A encenação é uma piada, mas os softwares livres não.

do blogdodez.atarde.com.br

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