sexta-feira, 28 de setembro de 2007

O esgoto é a solução

22/09/2007
por
Silvio Meira

As redes de esgotos são o marco mais importante da história da medicina dos últimos 167 anos. E têm tudo a ver com inclusão digital.

Em época marrom da política nacional, de vacas e cavalheiros (ou melhor, vacalheiros) indo para bem depois do brejo onde se perdiam nos velhos bons tempos, a coluna aproveita a oportunidade para falar de uma necessidade, raramente percebida por qualquer um e muito menos por representantes do povo, governantes e poderosos em geral: o esgoto.

Sim, o velho e bom esgoto, aquele que políticos não gostam de fazer porque “obra enterrada não dá voto”. Paciência, leitor, vá até o fim, pois a conversa pertence mesmo a este espaço e tem tudo a ver com vida digital. O British Medical Journal, publicado desde 1840, perguntou a seus leitores qual foi o maior marco da história da medicina nos últimos 167 anos. Deu esgotamento sanitário, seguido por antibióticos. Coincidentemente, a noção moderna de esgoto tem quase a mesma idade do jornal.

No Brasil, só metade dos municípios tem “algum tipo” de tratamento sanitário; no Nordeste, 30% coletam esgoto e 13% coletam e tratam. Resultado? Uma fortuna torrada em “saúde”, sem os resultados esperados. O que já se sabia na Inglaterra do séc. XIX. Imagine a Amazônia, onde menos de 7% dos municípios têm algum tipo de coleta e/ou tratamento. Se a população aumentar, o que vai (o)correr nos rios da região? Enquanto isso, quanto da CPMF será usado em esgotos? Melhor nem perguntar.

E nós com isso? Saneamento é uma rede de infra-estrutura social básica, como água, eletricidade e telefone. Esgoto é assunto de interesse social há cinco milênios e universalizado em qualquer país civilizado. Vez por outra, a gente reclama da inexistência de políticas públicas para incluir o país inteiro na internet, rede que representa as bibliotecas, enciclopédias, os jornais, diários, arquivos, TVs… do presente e do futuro, muitos deles escritos por nós mesmos. Mas internet é, no máximo, tão importante quanto… saneamento. Se não conseguirmos controlar o fluxo de efluentes -- incluindo o puro e simples cocô -- danosos à saúde e ao ambiente em terrenos, lagos, rios e mares, de pouco adiantará internet para todos, pois o mundo não vai estar aí mesmo. Nem pra nós nem pra nossos filhos e netos.

A crise de água que o planeta já atravessa aumentará a pressão, em países como o Brasil, para incrementar a rede de saneamento. Não seria exótico pensar que qualquer governo interessado no futuro do país, cidade ou Estado estaria instalando esgotos agora, com toda pressa do mundo. Questão de saúde e de segurança pública, pois de sobrevivência.

Que tal, pra aumentar nossas chances de futuro, universalizar o esgotamento sanitário, no Brasil, em 10 anos? Considerando que eletricidade já chegou a quase todos os domicílios, assim como água, e isso aconteceu antes da possibilidade (e baixo custo) de levarmos, juntamente com alguma outra infra, a internet (e de fibra ótica), a hora de universalizar a internet nas casas brasileiras é quando tomarmos a decisão de universalizar o esgoto…

O custo de instalação cairia pra perto de zero, pois já temos que conectar o esgoto do país inteiro. E o problema seria localizado, cidade a cidade, cada uma decidindo o que e como fazer no seu espaço e com seu dinheiro. Muitos vão optar por redes aéreas como wi-max. Mas isso não é banda larga… larga mesmo, por casa, é 100 megabit por segundo. Ou seja, fibra ótica. Física. Instalada junto com os tubos do esgoto.

Sonho? Pode ser. Mas parece razoável e exeqüível. Falta os políticos descobrirem que banda larga é tão necessária quanto esgoto e um insumo fundamental para o desenvolvimento econômico. Bem aqui no século XXI, e não em algum futuro remoto e intangível. Mas estamos no Brasil. O que ainda nos falta é chegar em 1840 e entender que esgoto universal é um item essencial da cidadania e da humanidade como entendidas hoje. A internet pode até esperar. Mas nos fará tanta falta, em breve, como esgoto nos faz hoje.

Enquanto isso, é torcer para que a vaca e seus vacalheiros, ao invés de um idílico e perfumado brejo, se atolem numa bem profunda poça de esgoto. Que não foi coletado nem tratado por inoperância e culpa deles próprios.

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