domingo, 26 de agosto de 2007

Chineses buscam uma fabricante americana de discos rígidos

25/08/2007
John Markoff*
Em San Francisco


Uma empresa de tecnologia chinesa manifestou interesse em comprar uma fabricante de discos rígidos de computador nos Estados Unidos, aumentando as preocupações entre as autoridades do governo americano com os riscos à segurança nacional da transferência de alta tecnologia para a China.

O interesse, que foi revelado pelo executivo-chefe de uma das duas fabricantes de discos rígidos remanescentes nos Estados Unidos, William D. Watkins da Seagate Technology, ressuscitou as questões de competitividade econômica e segurança nacional levantadas há três anos quando a Lenovo, uma fabricante chinesa de computadores, comprou a divisão de computadores pessoais da IBM.

As tensões têm crescido ultimamente entre os dois países em torno das ambições da China de desenvolver suas capacidades militares e tecnologias avançadas para usos industriais e de consumo.

Apesar de discos rígidos não se enquadrarem na lista de tecnologias controladas para exportação, a tentativa de comprar uma empresa americana de discos rígidos exigiria uma revisão de segurança por parte do governo federal, segundo vários funcionários do governo.

Nos últimos anos, os discos rígidos modernos, usados para armazenar com segurança vastas quantidades de informação digital, se tornaram sistemas de computação complexos, completos com centenas de milhares de linhas de programação que são usadas para assegurar a integridade dos dados e para oferecer a encriptação destes.

Isto poderia levantar o espectro de manipulação sigilosa de hardware ou software para possibilitar o furto de informação por redes de computadores, alertaram autoridades de inteligência.

A Seagate começou recentemente a vender modelos com capacidade de encriptação.

Watkins não identificou a empresa chinesa. Mas disse que a possibilidade de uma aquisição disparou alarmes em algumas agências do governo.

"O governo americano está surtando", disse Watkins durante uma entrevista na quinta-feira.

Contatado na noite de sexta-feira, funcionários do Tesouro se recusaram a comentar possíveis ofertas chinesas por uma fabricante americana.

Apesar de Watkins ter dito que a Seagate, que é a maior fabricante de discos rígidos nos Estados Unidos, não estar à venda, ele também disse que se um valor alto o bastante for oferecido aos acionistas, seria difícil impedi-la.

As ações da Seagate subiram 1,05% na sexta-feira, fechando a US$ 24,96, e valorizaram cerca de 4% na semana após as notícias de que poderia entrar no mercado de memória flash. Não parece ter ocorrido qualquer aumento significativo no volume de negócios das ações da Seagate.

Com uma economia em boom e US$ 1,33 trilhão em reservas de moeda estrangeira, as empresas chinesas estão em posição de adquirir empresas americanas, como as empresas japonesas e da Europa Ocidental fizeram há várias décadas. Apesar destas aquisições anteriores terem enfrentado oposição por temor de que prejudicariam a competitividade econômica americana, a aquisição de empresas americanas por empresas chinesas é vista com mais suspeita, particularmente no setor de alta tecnologia.

Desde a venda da Lenovo, o governo tem se tornado cada vez mais preocupado com a segurança da tecnologia, segundo membros de comitês consultivos federais.

"A Seagate seria extremamente sensível", disse um executivo do setor que participa de grupos consultivos confidenciais do governo. "Eu não acho que ninguém nos Estados Unidos deseja que os chineses tenham acesso aos chips controladores de um disco rígido. Nunca se sabe o que os chineses poderiam fazer para instrumentar o disco".

A transferência de tecnologia avançada de manufatura de disco rígido daria aos chineses um grande empurrão na concorrência em tecnologias de informação. Mas a China ainda está atrás em capacidade de manufatura básica como desenvolvimento e manufatura de semicondutores.

"Este claramente é um componente chave de um sistema de computador e a compra pelos chineses ou por outros países merece uma revisão plena para determinar quais são os riscos", disse Michael R. Wessell, um membro da Comissão de Revisão de Segurança e Econômica Estados Unidos-China, um grupo que monitora para o Congresso as implicações de segurança nacional do comércio com a China.

A IBM vendeu sua divisão de disco rígido para a fabricante japonesa de computadores Hitachi em 2002, fazendo com que restassem apenas duas empresas americanas, a Seagate, com sede em Scotts Valley, Califórnia, e a Western Digital, com sede em Lake Forest, Califórnia.

Duas outras fabricantes japonesas, a Fujitsu e a Toshiba, e uma divisão da Samsung, o conglomerado sul-coreano de eletrônicos, também são grandes fabricantes de dispositivos de armazenamento.

Os executivos da Western Digital se recusaram a comentar.

Kenneth Lieberthal, um alto diretor para Ásia no Conselho de Segurança Nacional durante os últimos anos do governo Clinton, expressou fortes dúvidas de que o governo chinês permitiria a uma empresa de tecnologia tentar uma aquisição caso esta provocasse criticas do governo americano, mesmo se tais críticas não chegassem a ponto de uma proibição de fato do negócio.

"Os chineses se preocupam bastante em como investir nos Estados Unidos sem produzir o tipo de tempestade política que enfrentaram quando tentaram comprar a Unocal", disse Lieberthal, um professor de política e administração da Universidade de Michigan. "O governo realmente não quer enfrentar o tipo de situação que enfrentou com a Unocal".

A China National Offshore Oil Corporation, uma empresa estatal, desistiu de seu plano de comprar a Unocal em 2005 quando provocou oposição no Congresso. Lieberthal disse que o governo chinês apoiou a CNOOC apenas de forma tépida e provavelmente seria ainda mais cauteloso agora. "Se realmente decidiram tentar a compra de uma fabricante de equipamento de ponta de informática, eles realmente estariam testando as águas", ele disse.

Se uma empresa chinesa fizesse uma oferta por uma empresa americana em um setor tecnologicamente sensível sem a obtenção prévia do apoio do governo chinês, a empresa chinesa enfrentaria sérios problemas com as autoridades em Pequim, disse Lieberthal. Logo, é improvável que qualquer abordagem séria tenha sido feita por uma empresa chinesa sem cuidadosas consultas prévias a Pequim.

Mas o governo chinês também enfrenta um dilema: como melhorar o rendimento de suas reservas de moeda estrangeira, mais de dois terços delas em dólares. Acredita-se que cerca de US$ 100 bilhões sejam em títulos hipotecários americanos, um investimento que sofreu durante a recente turbulência financeira.

Um fundo de investimento do governo chinês gastou US$ 3 bilhões na compra de quase 10% do Blackstone Group neste ano, mas buscou adquirir ações não votantes para reduzir o risco de uma repercussão política. Participações acionárias em empresas de serviços financeiros também tendem a ser menos controversas do que participações acionárias em empreendimentos de alta tecnologia.

As autoridades em Pequim também estão começando a encorajar empresas e mesmo indivíduos a investirem mais no exterior, como uma forma de compensar parte do investimento estrangeiro que entra na China. O afluxo de dinheiro de investimento e de superávits comerciais tem pressionado uma valorização da moeda chinesa, ameaçando minar parte da competitividade das exportações chinesas.

Se uma empresa chinesa fizer uma oferta de fato por uma empresa americana de alta tecnologia, disse um ex-funcionário do governo, e tal oferta for bloqueada por motivos políticos, então as empresas chinesas poderão se tornar mais desconfiadas de investimentos em empresas americanas; o governo de Pequim poderá começar a suspeitar que Washington desconfia tanto da China que está tentando impor obstáculos no caminho de seu desenvolvimento econômico.

"Se forem bloqueados, eu suspeitaria que isto no mínimo contribuiria para desconfiarem do governo americano", disse Lieberthal, que fala chinês e mantém contato com várias autoridades do governo chinês e com líderes corporativos americanos.

*Keith Bradsher, em Hong Kong, contribuiu com reportagem.

Tradução: George El Khouri Andolfato

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