quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Criador da web critica a própria invenção


O engenheiro, que não tem celular e nem atualiza seu site, se diz decepcionado com uso excessivamente comercial da internet

A História ainda deve reservar ao belga Robert Cailliau e a seu companheiro de pesquisas, o inglês Tim Berners-Lee, um espaço no rol dos grandes inventores da humanidade. Há 17 anos, ambos desenvolveram uma ferramenta de comunicação, de início destinada só à pesquisa, cuja sigla fala por si: World Wide Web (www), a rede mundial de computadores. Mas, ao contrário do que se pode imaginar, Cailliau, engenheiro, 60 anos, não é um homem rico, não preside uma grande multinacional da informática, nem é um entusiasta da tecnologia. Caillau é quase um cético, alguém que revela decepções sobre sua cria. Avesso à fama, o engenheiro hoje está radicado no norte da França, em uma região rural. Não tem nome na lista telefônica, não tem telefone celular e, ironia, nem mesmo atualiza seu site. Nesta entrevista, o pesquisador revela amargor ao falar sobre o uso excessivamente comercial da rede mundial. Seus elogios são guardados para os blogs e para a Wikipedia, construções coletivas de informação. Entre os alvos de suas críticas também estão a Microsoft, o MySpace e o Second Life, empresas ou produtos que chama de "opacos" e que lhe provocam temor, seja por concentrarem em excesso informações da vida privada de seus usuários, seja por desviarem o foco da realidade. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O senhor declarou recentemente estar decepcionado quanto à evolução da web. Por quê?

Há muitos aspectos sobre os quais eu estou contente: a Wikipedia, os blogs, os círculos de pessoas que têm coisas raras a compartilhar. Na verdade não há muito além de alguns aspectos sobre os quais eu estou decepcionado: a velocidade da compreensão de que a rede mundial é uma construção coletiva. Empresários, políticos e freqüentemente jornalistas não compreendem isso. Nós poderíamos avançar mais rápido se tivéssemos colaborado mais em vez de promover a competição em um tema no qual a competição é muitas vezes nefasta.

Olhando retrospectivamente, como o senhor avalia sua invenção?

A web é resultado de anos de trabalho e da coragem de muitas pessoas, todos egressos de universidades e institutos de pesquisa. Os empresários freqüentemente a entenderam mal, tomaram decisões erradas. Tomemos como exemplo a bolha das empresas ".com". A lição que tiro é que há fosso entre o comportamento racional e humanista e o comportamento inspirado pelo desejo de fazer muito dinheiro sem trabalhar muito. Mas, por outro lado, a web é uma ferramenta que não se deixa manipular demais: a democracia parece estar imbricada na rede mundial. É isto que, aliás, irrita os espertos que querem se apropriar dela e também os ditadores e os chefes de regimes opressivos.

O senhor tinha a consciência, quando da invenção, da revolução aberta pela rede mundial?

Para a comunidade acadêmica, sim. Para a comunidade em geral, não. Eu me surpreendo a cada dia com as utilidades engenhosas de toda ordem que as pessoas fazem da web.

Na sua opinião, a rede mundial causou uma revolução social?

Muitos sociólogos e economistas acreditam que ela concretiza a global village anunciada por Marshall McLuhan. Há uma forte evolução, mas não conseguimos realizar sempre todas as idéias que temos no início de nossos projetos. No que concerne à global village, seria preciso perguntar ao próprio McLuhan o que ele pensaria hoje. Mas ele já está morto. De toda forma, é verdade que graças à rede mundial as organizações mundiais formadas por poucas pessoas puderam se constituir, se agrupar como se estivessem na mesma cidade.

O senhor já declarou ter subestimado o impacto comercial da web. Por quê?

Não era uma de nossas prioridades. Nós queríamos fornecer uma ferramenta útil e de qualidade aos pesquisadores. Foi a web que arrebatou a atenção do comércio e das empresas de telecomunicação sobre a internet, que naquela época, em 1993, já tinha 25 anos. Foi surpreendente ver como elas quiseram se apossar quando houve a menor suspeita de que talvez fosse possível fazer dinheiro fácil.

Qual é, no seu ponto de vista, o futuro da web e da internet?

É impossível prever. Pessoalmente, eu acredito que o futuro pertence mais a uma inteligência artificial do que à humana. Nesse meio tempo, nós faremos tudo e nada ao mesmo tempo. Mas não esqueçamos que, até outra ordem, será preciso comer enquanto estamos diante de nossas telas. Logo, precisamos de alguma maneira preservar o planeta.

Um comentário:

Vanessa Prazeres disse...

Essa entrevista é muito legal, pois deixa claro que, no ínicio, havia projetos muito mais democráticos para a web. Ela revela que um de seus inventores, assim como todos os que não se deixam levar por manequeísmos, apesar de decepcionado consegue enxergar as possibilidades abertas pela web que nem mesmo o avanço do caspitalimso pode bloquear.