domingo, 19 de agosto de 2007

A nova civilização on-line

A geração que cresceu com a internet vive em ritmo acelerado e já aboliu a separação entre os relacionamentos do mundo real e aqueles do virtual


Érica Chaves e Lia Luz

Montagem sobre Atômica Studio sobre foto Fabiano Accorsi
O paulista Lucas da Costa Moura, 17 anos, criou uma comunidade para a banda americana Panic! At the Disco que já tem 70 000 membros. "Só para administrá-la fico três horas por dia conectado ao Orkut", ele conta

O círculo de amizades de Lucas da Costa Moura, estudante paulistano de 17 anos, é formado por meio milhão de pessoas. Lucas coordena um fórum no Orkut que reúne 70 000 fãs da banda de rock Panic! At the Disco. Ele também freqüenta outras cinqüenta comunidades na internet. Uma delas tem mais de 250 000 participantes. Como se vê, a atividade de Lucas na rede mundial de computadores é intensa. Diariamente, confere uma centena de recados postados por integrantes do fã-clube on-line, cuja maioria tem entre 13 e 18 anos. Responsável pela página, tem o dever de vigiar o comportamento alheio. "Não permitimos ofensas contra a banda ou contra algum membro da comunidade", explica. Para completar, ainda precisa ser ativo na militância roqueira. Recentemente, ele e alguns amigos lançaram um ataque cibernético para abarrotar as caixas de e-mail de gravadoras e órgãos de imprensa. Os milhares de mensagens exigiam a vinda do Panic! ao Brasil. Para dar conta de toda essa atividade, Lucas passa cinco horas diárias diante do computador. "Acho que num dia tenho contato com mais gente do que meus pais tiveram a vida toda", diz.

Fabiano Accorsi
A paulista Ana Carolina Pugliesi Sanches, 15 anos, conversa com 700 pessoas no MSN. "Quando a gente conhece uma pessoa virtualmente, a amizade nasce pelo que ela é, não pela aparência física", ela avalia

A rotina on-line de Lucas é condizente com os hábitos de sua geração. A antropóloga americana Anne Kirah, que trabalhou na Microsoft e hoje está num centro de estudos da inovação, na Dinamarca, cunhou a expressão "nativos da geração digital" para definir os jovens que não conheceram o mundo antes do e-mail. Os "nativos" dedicam bastante tempo aos sites de relacionamento, nos quais podem compartilhar conhecimento, músicas, fotos, filmes e muita conversa furada. O maior desses espaços é o MySpace, com 70 milhões de pessoas cadastradas. Em um mês, os usuários realmente ativos do site americano chegam a 60 milhões. Em média, cada um permanece conectado duas horas e dez minutos por dia. Outro campeão em popularidade, o Facebook, cujo criador tem apenas 23 anos, atingiu 33 milhões de usuários cadastrados, segundo a última conta. Estima-se que 260 milhões de pessoas freqüentem sites de relacionamento em comunidades virtuais em todo o mundo. O preferido dos brasileiros é o pioneiro Orkut, com 50 milhões de cadastros – os chamados perfis –, mas muitos deles são duplicados. É uma forma de driblar o limite máximo de 1 000 contatos por perfil.

Ernani D'Almeida
A comerciária carioca Patrícia Ferreira Barbosa se preocupa com o filho Pedro, de 15 anos, porque ele passa oito horas diárias na frente do computador. "Sei que muitos jovens são assim, mas tenho de lembrá-lo até de almoçar e jantar, senão ele não come", ela conta

O universo digital constitui um claro separador entre gerações, ainda que não seja privativo de nenhuma delas. Menos conhecido é seu impacto no comportamento daqueles que nasceram nesta era tomada pela tecnologia. A socióloga Sherry Turkle, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), disse a VEJA que "a pressão de estar conectado pode ser um peso para os adolescentes". O mais notável nesta geração é o fim da separação entre o mundo real e o virtual. Um diálogo por mensagem instantânea é hoje tão intenso quanto um encontro cara a cara e, muitas vezes, até mais íntimo. É uma realidade sem volta. Pesquisa divulgada em junho pela consultoria americana NPD Group mostrou que as primeiras incursões no mundo on-line ocorrem cada vez mais cedo. A média atual é de 6,7 anos. Em 2005, era de 8,1 anos.

Os adolescentes usam a web como uma espécie de laboratório social, para testar limites do relacionamento. A estudante paulista Larissa Stephanie Bozzolan, 15 anos, assídua no Orkut e no MSN, diz ter maior intimidade com o computador do que com os pais. "Quando estou dando uma bronca, prefiro falar pessoalmente, mas tem coisas que só consigo digitar", diz. As novidades não dizem respeito apenas a relacionamento e troca de informações – mas, também, a velocidade. A antropóloga Anne Kirah observou que a maior dificuldade dos imigrantes (isto é, aquelas pessoas nascidas quando o telefone tinha disco e, em caso de urgência, enviavam-se telegramas) é entrar em sintonia com o ritmo atual e acelerado da sociedade on-line. Para os jovens, que não conheceram outra vida, isso é perfeitamente natural.

Fabiano Accorsi
Larissa Stephanie Bozzolan, 15 anos, chega da escola e logo entra no Orkut e no MSN. "Quando revelo um segredo ou quero dar uma bronca, prefiro olhar para a pessoa, mas tem coisas que, por vergonha, só consigo dizer através do computador", conta ela


A tecnologia abriu uma porta para que as pessoas possam estar em contato permanente umas com as outras e para que tenham acesso ininterrupto à informação. Ainda é cedo para conhecer os efeitos a longo prazo da cultura da comunicação. O modelo é espetacular, e seus benefícios para a difusão do conhecimento são evidentes. Em contrapartida, a conexão permanente parece estar reduzindo o tempo disponível para simplesmente sentar e pensar. Sherry Turkle, do MIT, teme que a falta de momentos freqüentes de isolamento, característicos da adolescência no passado, possa prejudicar o amadurecimento das pessoas. Mas seria realista tentar se desconectar num mundo em que tudo o que é interessante parece estar ocorrendo on-line? Durante o período de férias, a carioca Patrícia Ferreira Barbosa acordava regularmente às 3 horas da manhã só para tirar da web seu filho Pedro, de 15 anos. Quando está fora de casa, telefona para lembrá-lo de almoçar e jantar. Ela diz que, em geral, mesmo quando Pedro está em casa, sente falta do filho. "Para eu ficar com ele, tenho de sentar ao lado do computador. Ele só deixa a internet para ficar comigo por no máximo alguns minutos", diz Patrícia. Bem-vindo ao admirável mundo novo.

Um comentário:

Daiane Vasconcellos disse...

Achei a reportagem interessante, pois mostra um breve panorama sobre o uso excessivo do pc na vida cotidiana das pessoas, e seus possíveis impactos. Isso me lembra "Heiddegger", quando este falava sobre a tecnologia materializando o pensamento humano e transformando a vida dos seres humanos cada vez mais, uma sucessão de acontecimentos banais e repetitivos.