GISELA ANAUATE
Para um amante dos livros, não há prazer maior que sentir o cheiro, a textura das páginas, as dobras trazidas pelo tempo. Para ele, nada substitui a visita a uma biblioteca. Uma surfada no mundo virtual não se compara a um folhear de páginas. Mas mesmo os ratos de prateleira devem admitir que a internet está provocando uma revolução na informação. Há um esforço para elevar a rede virtual de terra-de-ninguém a espaço onde é possível investigar as fontes mais legítimas do saber, o conteúdo de livros.
O projeto mais ambicioso seria uma utopia cinco anos atrás: construir a biblioteca universal, colocando em rede toda a memória cultural. Esse projeto, oWorld Digital Library, é encabeçado pelo maior acervo bibliográfico do planeta, a Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos. Entre os membros fundadores estão a Biblioteca de Alexandria, no Egito, e a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Eles vão ceder coleções importantes de fotos, mapas e livros. O acordo entre as bibliotecas será anunciado em outubro, durante a 37a Conferência da Unesco. “O portal vai concentrar os acervos mais valiosos do mundo”, afirma Liana Gomes Amadeo, diretora de processos técnicos da Fundação Biblioteca Nacional. A iniciativa faz parte de um movimento mundial, iniciado em 1971 com o projeto Gutenberg (leia ao lado), pioneiro no e-book. O objetivo é nutrir a internet com fontes confiáveis de conhecimento. O site Google é um dos mais atuantes. Em 2004, anunciou a Pesquisa de Livros, projeto de digitalização do acervo de milhares de bibliotecas e editoras. A iniciativa enfrentou resistência dos protetores de direitos autorais. Mas o Google defendeu-se. Demonstrou que os usuários poderiam ler apenas trechos dos títulos protegidos por copyright. Só os textos em domínio público seriam exibidos na íntegra. A idéia acabou aceita. “Fornecemos uma degustação dirigida do livro”, diz Rodrigo Velloso, gerente da Pesquisa de Livros do Google no Brasil.
Hoje, as possibilidades de pesquisa são muitas. ÉPOCA convidou quatro mestres em fuçar sebos, bibliotecas e lojas para um passeio virtual. Eles avaliaram os sites de e-books e procuraram preciosidades. Marciano Lourenço de Souza, dono da loja Metido a Sebo, em São Paulo, trabalha há 30 anos como livreiro e nunca havia baixado livros da internet. Gostou do Domínio Público. “O estudante pode montar sua biblioteca pelo site”, diz. Ele encontrou Que É a Metafísica, do filósofo Martin Heidegger, em português. A edição brasileira, de 1969, está esgotada.
Evandro Affonso Ferreira, autor de cinco romances e dono do sebo paulistano Avalovara, pesquisou títulos difíceis, como Fome, do norueguês Knut Hamsum. Sem sucesso. Tentou, então, obras não protegidas por direitos autorais. Achou Minha Formação, de Joaquim Nabuco, no Domínio Público. Mesmo assim, a jornada virtual não o satisfez. “Os clássicos que estão na internet são editados normalmente.”
A historiadora Mary Del Priore, autora do livro O Príncipe Maldito, ficou encantada com o Archive. “Para quem faz pesquisas em ciências humanas, é o melhor”, diz. “Achei uma fantástica História do Diabo, de Daniel Defoe.” O arquivo foi escaneado de um livro de 1727.
Antonio Carlos Secchin, membro da Academia Brasileira de Letras, é um detetive de livros. O autor de Guia dos Sebos (Odisséia) achou, no site da Biblioteca Nacional, o manuscrito da letra do hino nacional de Osório Duque-Estrada. Mas não encontrou alguns poemas obscuros do Romantismo. “Os autores menores, importantes para a pesquisa, permanecem no limbo pré-internético, à espera da alma digital e piedosa que venha salvá-los”, diz Secchin. A internet ainda está distante de reunir todo o conhecimento. Mas os piedosos scanners estão trabalhando.
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