04/Jul/2006 - 09:05
Um dia abro uma revista semanal e dou de cara com uma matéria sobre as pichações na cidade. O 'Gonha, mó breu' estava em destaque. Segundo especialistas chamados a dar sua opinião sobre a enigmática frase, 'Gonha' queria dizer maconha e 'mó breu', maior barato. Ou seja, as pichações seriam uma apologia ao uso da droga
O fato é que esse meu amigo, ao andar, fazia uma imitação juvenil de negro americano, subindo e descendo a cada passo. Não demorou até ganhar o apelido de Cegonha. Gonha, para os íntimos. 'Gonha, mó breu' era a assinatura de um adolescente tentando se fazer notar. A mídia, quando tenta explicar, muitas vezes confunde.
Quando pensamos em um hacker, a primeira imagem que passa pela nossa cabeça é a de um criminoso roubando senhas de correntistas desavisados. Os mais atentos vão lembrar também de 'pichações', troca da página inicial de um site por uma mensagem de protesto. Mas não é sempre assim. Parte dessa confusão foi criada pela mídia. Hackers são experts em tecnologia que, boa parte das vezes, colocam seu conhecimento a serviço da sociedade.
A cultura hacker nos ofereceu uma visão colaborativa do universo tecnológico, e dos benefícios da livre circulação da informação. Hackers compartilham conhecimento e produzem de forma descentralizada, muitas vezes voluntária e diletante. São os responsáveis pela criação do software livre e do Linux. Esquentaram a discussão sobre os limites da propriedade intelectual e defendem que todo o conhecimento deve ser, a priori, livre. Hackers que cometem crimes são melhor denominados crakers. Gente que usa a tecnologia para descumprir a lei em benefício próprio.
É obviamente reprovável e ilegal modificar um site na internet sem o consentimento de seu proprietário. Mas quem não olha com certa simpatia para um 'pichador' de sites de empresas que teimam em pescar baleias, apesar da reprovação da opinião pública mundial?
Mesmo quando sites são 'hackeados', nem sempre o resultado é prejuízo para alguma empresa ou para a sociedade. No endereço www.floridasexualpredators.com os moradores da Flórida podem olhar para o mapa da sua cidade e ver onde moram os condenados por homicídio, pedofilia e outros crimes sexuais. Com foto, nome, endereço completo e informações sobre o tipo de crime que cometeram. Cá entre nós, quem não gostaria de saber se um pedófilo homicida em liberdade condicional resolveu mudar para o seu quarteirão?
Para colocar esse site no ar foi necessário 'hackear' o sistema de mapas do Google e o site do Departamento de Justiça da Flórida. Hackear, nesse caso, significou entrar pela porta dos fundos, pegar informações e executar buscas nos bancos de dados de uma empresa e de um órgão governamental, sem consentimento prévio.
O Google fechou dezenas de sites que utilizavam seu sistema de mapeamento 'informalmente'. Mas quando deu de cara com serviços desse tipo, enfrentou um dilema. Fazer valer sua prerrogativa de 'dono' da tecnologia ou beneficiar a sociedade em algo tão crítico como a segurança da família? Prevaleceu o bom senso e, na última quarta-feira, o Google abriu seu sistema de mapas para exploração não-comercial.
Mas não é tão simples quanto parece. Não me cai bem ver um grupo acreditando ter o monopólio da razão. A cultura hacker pode e deve ser utilizada como um referencial virtuoso para as discussões sobre nosso futuro pós-industrial. Mas pegar gosto em subverter os limites legais é cair na mesma esparrela das elites agrárias e industriais que, até hoje, legislaram em causa própria. Para um hacker embriagado pelo poder virar um cracker, é um pulo. Anakim Skywalker que o diga.
Nenhum comentário:
Postar um comentário