terça-feira, 21 de agosto de 2007

A hora da colheita

Depois de bilhões de dólares de investimentos e anos de pesquisa, começam a chegar ao mercado os aparelhos que complementam o teclado com recursos de reconhecimento de voz, visão, tato e escrita manual e acabam com a fronteira entre os idiomas

Bill Gates

Montagem Atomica Studio sobre foto AFP

As pessoas me perguntam com freqüência se a revolução da tecnologia digital está desacelerando. Elas querem saber se tecnologias como o microprocessador ou a largura de banda das redes estão chegando ao limite de sua capacidade de evolução. Sob vários aspectos, acredito que a revolução digital só agora esteja tomando corpo. O extraordinário progresso das últimas décadas serviu apenas para estabelecer as bases para transformações ainda mais profundas que estão por vir. No decorrer dos próximos anos, o hardware dará continuidade a seu processo de aperfeiçoamento. Simultaneamente, o software também evoluirá, à medida que criarmos novas ferramentas de desenvolvimento e novos recursos que nos permitirão tirar proveito de processadores mais poderosos, de sistemas com maior capacidade de armazenar dados e de um acesso cada vez mais fácil à banda larga.

A questão, portanto, não é saber se a tecnologia continuará a evoluir, mas, sim, como a nossa interação com a tecnologia – e a nossa interação com o mundo – mudará nos próximos dez anos. Temos também de considerar dois aspectos: um deles, já citado, é que os softwares e os dispositivos serão cada vez mais poderosos. O outro é que cresce a cada dia o volume de informações, comunicações, comércio e entretenimento criados em formato digital.

Numa análise preliminar, daqui a dez anos estaremos muito mais conectados às pessoas, às comunidades que nos dizem respeito e a todas as informações e formas de entretenimento que nos interessam. Estaremos mais conectados, pois os recursos de software, associados a PCs e à flexibilidade dos serviços oferecidos pela internet, poderão nos conduzir automaticamente a todas as informações de que precisamos, em qualquer lugar. Estaremos mais conectados, pois a computação será efetivamente móvel. Os dispositivos serão menores, mais baratos e versáteis. Seremos capazes de usá-los com grande facilidade, independentemente de estarmos na mesa de trabalho ou em trânsito.

Eckehard Schulz/AP
Chip para conexões entre aparelhos

Essa crescente conectividade é decorrente de avanços que tornam a tecnologia muito mais centrada no usuário. Hoje, o uso da tecnologia ainda tende a ser bastante fragmentado. Transferir uma foto digital da câmera para o computador doméstico ou compartilhar essa imagem com a família ainda são processos bastante complexos, que demandam várias etapas de execução. Apesar de todos os aparelhos digitais que já utilizamos no cotidiano, a capacidade de nos mantermos a par das informações mais atualizadas – seja de cotações de ações, de resultados de eventos esportivos, seja de compromissos familiares – enquanto estamos em trânsito é bastante limitada.

Tudo isso deverá mudar nos próximos dez anos. Em um futuro não tão distante, qualquer dispositivo poderá estar conectado à internet, oferecendo às pessoas tudo aquilo que diz respeito a seus interesses: arquivos, agenda de compromissos, informações e preferências. As notícias se moverão automaticamente com os indivíduos, durante seus deslocamentos de um lugar para outro, circulando também de um aparelho para outro. Quando alguém tirar uma foto, várias coisas poderão ocorrer instantaneamente: a imagem será armazenada no arquivo adequado, podendo ser imediatamente compartilhada com as pessoas autorizadas a visualizá-la. Não será mais necessário preocupar-se com redes, endereços de e-mail ou com as diferenças entre os vários aparelhos como celulares, computadores ou tocadores de música digital.

Um recurso que tornará a computação muito mais centrada no usuário é a "percepção de contexto". Estamos avançando rápido na criação de softwares capazes de antecipar as necessidades do usuário. Essas decisões serão tomadas com base no conhecimento das preferências das pessoas, de suas ações anteriores, de suas atividades atuais e em seu círculo de contatos. Com isso, a tendência é o PC e os outros equipamentos de computação se transformarem, cada vez mais, em autênticas secretárias particulares. Quando alguém quiser se comunicar com esse usuário – seja por texto, voz ou vídeo –, será informado se é possível interrompê-lo ou se ele não quer ser perturbado.

Fotos divulgação
Touch screen: tudo na ponta dos dedos

Também assistiremos a uma grande evolução na maneira como as pessoas interagem com os computadores e os eletrônicos. Estamos chegando muito perto de um novo conceito denominado "interfaces naturais". Essa é uma área na qual a Microsoft investiu literalmente bilhões de dólares na última década. Esses investimentos estão começando a dar frutos, em forma de novos aparelhos que complementam o teclado com recursos de entrada de voz, visão, tato e escrita manual. Isso deve se transformar rapidamente em tecnologia-padrão. Estamos falando desses recursos há muito tempo. Hoje, já podemos apontar exemplos que comprovam nossos avanços nessa área, incluindo a rápida evolução do reconhecimento de voz e grandes avanços em direção à capacidade do software de reconhecer e interagir com idiomas como o chinês e o japonês, para os quais o teclado não é a forma mais prática de digitar informações.

Outro exemplo prático de um produto que usa esse tipo de interface é o Surface, uma mesa eletrônica com uma tela de 30 polegadas, que oferece uma interação natural com o universo digital – sem a necessidade de um mouse ou teclado. A entrada ou a manipulação de informações pode se dar em forma de gestos, toques ou pela própria interação com os objetos físicos. Com o Surface, é possível manusear imagens e documentos, bastando arrastar esses elementos na tela. Com o simples movimento da mão, os componentes da tela podem ser movidos de um ponto a outro, ampliados ou reduzidos. Pelo fato de reconhecer objetos físicos – como celulares e câmeras fotográficas digitais –, o Surface pode automatizar a transferência de conteúdo digital, de um ponto para outro, ou do dispositivo de uma pessoa para o de outra. O Surface é um aparelho com tecnologia multitouch (reconhecimento de múltiplos toques, em diferentes pontos de sua superfície) e multiusuária, o que significa que várias pessoas podem utilizá-lo ao mesmo tempo, abrindo novas possibilidades para a colaboração em documentos ou, simplesmente, para interagir em jogos.

O Surface: mesa interativa

Esse tipo de dispositivo representa a vanguarda de uma nova tendência, denominada computação onipresente (pervasive computing, em inglês). No futuro, o potencial do software e dos microprocessadores girará em torno de objetos do cotidiano, tais como a mesa de trabalho, o carro, o telefone ou a geladeira. Todos esses objetos estarão conectados à internet e poderão compartilhar informações sobre as preferências, os contatos e os interesses dos usuários. Eles agirão em conjunto, em sintonia, prevendo as necessidades e contribuindo para a melhor qualidade de vida. O Surface também aponta para o acelerado progresso que está ocorrendo na tecnologia de telas e monitores de vídeo. Uma das importantes tendências, que será observada ao longo desta década, indica que os monitores se tornarão mais leves, baratos, portáteis e onipresentes. No futuro, poderemos conectar nossos dispositivos portáteis a qualquer monitor que estiver por perto, seja a TV da sala ou qualquer outro, em qualquer local – público ou privado.

À medida que a computação se tornar mais conectada e centrada no usuário, mais onipresente e móvel, mais natural e intuitiva, o poder transformador da tecnologia digital se expandirá de várias maneiras. As duas áreas que receberão o maior impacto dessas mudanças serão a comunicação por voz e a televisão. Atualmente, para que uma pessoa possa efetivamente se manter em contato com outra, ela precisa ter, ao menos, três números de telefone: da casa, do trabalho e do celular. No trabalho, dependemos ainda de um telefone fixo, conectado a um sistema de PABX não digital. Só agora esses sistemas estão migrando para o modo puramente digital, integrado à internet. Daqui a algum tempo, quando alguém quiser entrar em contato com outra pessoa, bastará dizer seu nome e sua comunicação será automaticamente direcionada para o dispositivo indicado. Os aparelhos telefônicos fixos devem desaparecer. As ligações ficarão por conta do PC com recursos de software. Será possível incluir alguém em uma teleconferência bastando clicar seu nome na tela ou visualizar as últimas chamadas da pessoa com quem se está conversando ao telefone.

TV na internet: convergência de mídias

A televisão também está migrando para redes que utilizam protocolos da internet. Isso significa que os telespectadores não estarão mais restritos às limitações das redes de televisão que operam através dos sistemas convencionais de transmissão. Ao contrário: eles terão acesso a um conteúdo praticamente ilimitado, que abrange desde a programação tradicional, com filmes, documentários e programas criados por profissionais, até palestras, reuniões de negócios, eventos esportivos ou qualquer coisa capturada em forma de vídeo digital e disponível para visualização pública. Todo esse conteúdo poderá ser acessado a qualquer hora, e não mais de acordo com a programação prévia das redes abertas ou das TVs a cabo.

O maior impacto que será sentido nos próximos dez anos diz respeito à disseminação da revolução digital entre bilhões de pessoas ainda sem acesso aos instrumentos que permitem participar da chamada "economia do conhecimento". Hoje, aproximadamente 1 bilhão de pessoas usam PCs. Embora pareça muito, representa uma fração modesta da população mundial de 6 bilhões de pessoas. À medida que tornamos a tecnologia mais acessível e mais simples de usar, podemos reduzir efetivamente o abismo entre as sociedades ricas e as mais pobres e estender as oportunidades sociais e econômicas a toda a humanidade. Essas oportunidades podem ser traduzidas em maior acesso à educação, à informação, à saúde e aos mercados globais.

Obviamente, isso não ocorrerá da noite para o dia. Ainda há problemas importantes a ser resolvidos, que transcendem questões relativamente simples como o preço e a acessibilidade dos dispositivos em si. Temos de pensar em fatores como a conectividade, o treinamento, a manutenção e o suporte. Na Microsoft, estabelecemos como meta, para os próximos cinco anos, levar os benefícios da computação a, no mínimo, mais 1 bilhão de pessoas. Com os rápidos avanços da tecnologia, acredito que essa meta seja viável. Acredito também que poderemos atingir um número de pessoas bem maior, nos cinco anos subseqüentes.

Há trinta anos, fundamos uma empresa com o sonho de colocar um computador em cada mesa e em cada casa. É surpreendente olhar para trás e constatar quanto já evoluímos para tornar esse sonho realidade. É ainda mais animador olhar para a frente e vislumbrar um mundo no qual esse sonho envolverá países e lugares remotos do globo, capacitando bilhões de pessoas a participar da economia do conhecimento. À medida que isso ocorre, vão surgindo novas idéias, aparecem novas empresas e são desenvolvidos grandes avanços na ciência e na medicina. O resultado, estou certo, será o surgimento de uma nova onda de inovações que tornará nossa vida mais plena, mais produtiva e mais gratificante.

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